DOCUMENTO: Conheçam a proposta inicial com o pedido de registro da vida republicana das repúblicas estudantis da UFOP como patrimônio imaterial de Ouro Preto
Ouro
Preto, 12 de janeiro de 2022.
A
Secretária de Cultura de Ouro Preto, Maria Margareth Monteiro
Proponente: Otávio Luiz
Machado Silva
Inicialmente
os meus cumprimentos. Em seguida, então de forma documentada e justificada (de
acordo com o que reza a Lei Nº 17/2002 da Prefeitura Municipal de Ouro Preto),
então entramos com o pedido de registro do modo de vida republicano das
repúblicas da Universidade Federal de Ouro Preto como patrimônio cultural
imaterial de Ouro Preto. Que a documentação apresentada seja submetida aos mais
diversos órgãos da Prefeitura Municipal de Ouro Preto e ao Conselho Compatri.
Que o caminho do presente pedido de registro chegue ao objetivo final, o
registro no Livro de Registro dos Lugares, que conforme a lei é “onde serão
registradas mercados, feiras, santuários e demais espaços onde se concentrem e
reproduzam práticas culturais coletivas”.
Ao
visar atender a Lei no tocante que “as propostas de registro serão feitas por
escrito devidamente instruídas e justificadas”, a seguir desenvolvemos em
tópicos os principais pontos que devem ser apresentados.
São
as seguintes repúblicas da UFOP que são objeto do presente registro: Adega,
Aquarius, Arte e Manha, Bangalo, Bastilha, Baviera, Bem na Boca, Boite
Casablanca, Butantan, Canaan, Casanova, Cassino, Castelo dos Nobres, Chega
Mais, Cirandinha, Consulado, Convento, Cosa Nostra, Covil dos Gênios, Doce
Mistura, Dos Deuses, Espigão, Gaiola de Ouro, Jardim de Ala, Jardim Zoológico,
Koxixo, Lumiar, Maracangalha, Maria Bonita, Marragolo, Mixuruka, Nau sem Rumo,
Necrotério, Ninho do Amor, Ovelha Negra, Palmares, Pasargada, Patotinha,
Penitenciária, Peripatus, Pif-Paf, Poleiro dos Anjos, Pronto Socorro,
Pulgatório, Quarto Crescente, Quitandinha, Rebu, Saudade da Mamãe, Senzala,
Sinagoga, Tabu, Tanto Faz, Território Xavante, Tigrada, Toka, Unidos Por Acaso,
Verdes Mares, Vira Saia e Virada pra Lua.
Os
dados pessoais do Proponente foram cadastrados na página ouropreto.mg.gov.br/protocolos.
Embora a proposta seja encaminhada em meu nome, a mesma foi apoiada por
ouro-pretanos e ouro-pretanas, estudantes, ex-alunos e ex-alunas. Entre os dias
06 e 10 de janeiro de 2022 foram coletadas assinaturas em diversos pontos de
Ouro Preto, com o intuito de respaldar a proposta e envolver o máximo de apoios
para a mesma.
Também
é importante ressaltar que a presente proposta possui respaldo junto ao
conjunto de ex-alunos da República Aquarius, na qual também sou ex-aluno. Dos
quase cem entrevistados dentro do Projeto Aquarius Patrimônios, a adesão e o
interesse dos republicanos e ex-alunos em registrar o modo de vida republicano
das repúblicas da UFOP como patrimônio imaterial de Ouro Preto foi total (ver
em anexo alguns trechos de entrevistas dos nossos aquarianos).
O
trabalho de levantamento histórico que desenvolvemos nesse momento diretamente
na República Aquarius (e indiretamente em outras repúblicas considerando que
continuamos a pesquisar todo o sistema de repúblicas da UFOP) – seguido das
vivências com os atuais moradores e demais ex-alunos – também nos respalda e
nos enche de responsabilidade para levarmos adiante esse pedido de registro de
patrimônio imaterial.
Também
tivemos o respaldo da REFOP, que é a associação de repúblicas estudantis
federais da UFOP. Nos foi repassado a base de dados documentais da entidade
para fins de reforçar as informações aqui apresentadas.
As
primeiras pesquisas que realizamos sobre a história das repúblicas iniciaram no
ano de dois mil. Já existem registros de uma república que chegou ao centenário
(a Castelo dos Nobres), além de outras com dezenas de décadas, como a Pif-Paf (75
anos), a Consulado (86 anos), a Verdes Mares (com 79 anos) e tantas outras.
Ao
se buscar um reconhecimento – mesmo que tardio – de que as repúblicas da UFOP
são parte do patrimônio cultural de Ouro Preto, então haverá a preservação de
algo que é próprio da tradição cultural do município de Ouro Preto,
considerando a inserção das repúblicas e dos seus estudantes ao mesmo tempo nos
cenários urbano, educacional, cultural e social locais. Com a longevidade das
repúblicas, com práticas culturais transmitidas de geração para geração há mais
de um século, somada à permanência de um modo de ser, de viver e de coexistir próprios
que é um patrimônio imaterial de inestimável valor cultural para a cidade de
Ouro Preto, logo estamos diante de um bem cultural que precisa ter a garantia
do reconhecimento oficial ou institucional.
O
sentimento de continuidade e de identidade dos (as) moradores (as) e dos (as)
seus (suas) ex-alunos (as), a importância cultural desses lugares em que estão
assentadas as repúblicas para a memória, a história, a formação cultural da
sociedade, o sentimento de pertencimento e de referência cultural que são
construídos nesses locais e a produção de práticas culturais coletivas são
alguns aspectos que precisamos considerar.
As
repúblicas também precisam ser compreendidas como resultados de conquistas dos
estudantes, considerando que o sistema de repúblicas de Ouro Preto foi formado
majoritariamente através de reivindicações, protestos, ocupações, negociações,
ações e muito trabalho. A manutenção dessas casas também é outro ponto a ser
considerado, principalmente com o esforço dos (as) moradores (as) e apoio dos
(as) alunos (as). O registro como patrimônio imaterial do bem cultural em questão
permitirá a sua valorização e a sua preservação, considerando inclusive que
esse passo a ser dado vai de encontro aos anseios de preservação desse bem
cultural imaterial pela comunidade ouro-pretana e dos próprios membros dessas
comunidades universitárias.
Na
certeza da atenção da Secretaria, findo a mesma.
Atenciosamente,
Otávio Luiz
Machado Silva
e-mail: otaviomachado3@yahoo.com.br Tel/whatts:
(34) 99777-3102
OURO PRETO, MINAS GERAIS, BRASIL
A cidade Ouro Preto representa muito para quem estudou ou
estuda nas suas instituições escolares. É um privilégio viver num local com
tanta representatividade para a história do Brasil. A seguir, um pouco mais
sobre esse lugar.
A antiga capital da
Província de Minas Gerais
A história das Minas Gerais está associada ao ciclo de
exploração do ouro nos séculos XVII e XVIII, que contribuiu para o crescimento
da importância da economia da região sudeste, maior urbanização de alguns
pontos da região.
Com a fase de declínio da produção aurífera na região de
Ouro Preto, o que levou a Coroa Portuguesa a aumentar os tributos em cima da
produção existente, a elite mineira formou um movimento agregando outros grupos
sociais. O que culminou na Inconfidência Mineira, em 1789.
Com a perseguição implacável aos chamados inconfidentes,
o principal movimento emancipatório que se deu em terras de Ouro Preto foi
cruelmente interrompido, sendo simbolizado no enforcamento e esquartejamento de
um dos revoltosos, Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes).
A mineração envolveu o trabalho de muitos escravos negros
africanos, cuja atividade consumiu muitas vidas para que se pudesse gerar a
riqueza a partir dos solos de Ouro Preto.
O esgotamento do ciclo aurífero, que levou também ao
abandono de fazendas que não conseguiam a produção de outrora, a perda
populacional de Ouro Preto foi inevitável entre os meados do século XVIII e
princípios do século XIX.
Ouro Preto tornou-se capital da província de Minas Gerais
em 1823, mantendo sua centralidade na política de Minas Gerais.
Em 1849, com a criação da Escola de Farmácia, a vocação
de Ouro Preto como cidade universitária começou a ser despertada.
Com a criação da Escola de Minas, em 1876, Ouro Preto
reforçou sua importância cultural e intelectual no Estado de Minas Gerais, assim
consolidando essa vocação de cidade universitária.
A semente do sonho dos inconfidentes de criação de uma
universidade na antiga Vila Rica começava a germinar com essas duas escolas,
que mais adiante seriam unidas e se tornariam universidade.
Em 1892, com a criação da Faculdade Livre de Direito de
Ouro Preto, o aspecto de cidade estudantil ganhou novos contornos. Mas essa
escola foi transferida para a nova capital de Minas em 1898. A mesma seria
incorporada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) décadas depois.
Em 1897, com a transferência da capital de Minas Gerais
de Ouro Preto para Belo Horizonte, a perda populacional de quase cinquenta
porcento foi inevitável, abrindo um risco à conservação do patrimônio.
Em 1933, através de ato do presidente Getúlio Vargas,
Ouro Preto é considerada cidade Monumento Nacional. Em 1980, Ouro Preto foi
declarada cidade patrimônio histórico mundial pela Unesco.
A Escola de Farmácia de Ouro Preto
A Escola de Farmácia da UFOP
foi criada em 1839. Seu pioneirismo na área de saúde de Minas Gerais só veio a
reforçar que estavam assentadas as primeiras bases para Ouro Preto vir a se
tornar uma típica cidade universitária. Com a mudança da capital de Minas
Gerais de Ouro Preto para Belo Horizonte no final do século XIX, o prédio da
antiga Assembléia Provincial de Minas Gerais foi ocupado pela Escola de
Farmácia. Além de formar profissionais para atender as mais diversas demandas
da população de Minas Gerais e do Brasil, a Escola de Farmácia de Ouro Preto
foi através de diversos dos seus ex-alunos e ex-alunas o indutor de novas
escolas e de novas formações na área de saúde em diversos pontos do território
nacional.
A Escola de Minas de
Ouro Preto
A Escola de Minas começou seu funcionamento em 12 de
outubro de 1876, numa casa na então rua das Mercês (atual Rua Padre Rolim, 167,
funcionando o Educandário Santo Antônio). O que explica as festividades do 12
de outubro que acontecem todos os anos, a comemoração do aniversário dessa
Escola.
A criação da Escola de Minas veio por meio do Decreto nº
6.026 (de 06 de novembro de 1875), por decisão do imperador Dom Pedro II, que
convidou o francês Claude Henri Gorceix para conduzir o trabalho dessa
instituição.
O interesse de se construir uma nova escola de Engenharia
estava justamente no interesse de formar profissionais para explorar as
riquezas minerais do Brasil, tendo seu foco na área mínero-metalúrgica nesse
início.
Gorceix foi seu primeiro diretor, além de um grande
incentivador das ciências da natureza, como as que abarcam o campo da
mineralogia, em especial. O ensino inicial na Escola de Minas esteve muito
voltado à Engenharia de Minas, mas em 1893 os formados pela Escola de Minas
passaram a ter o credenciamento como Engenharia de Minas e Civil.
A Escola de Minas foi a segunda mais antiga escola de
Engenharia do Brasil, enquanto a primeira foi a Escola Politécnica do Rio de
Janeiro, de 1874.
Com a transferência da capital de Minas Gerais para Belo
Horizonte em 1897, a Escola de Minas foi transferida para o antigo Palácio dos
Governadores na Praça Tiradentes, permanecendo por lá até 1996, quando
transferiu-se definitivamente para um novo prédio no campus da UFOP no Morro do
Cruzeiro.
A influência da Escola de Minas na elaboração e
regulamentação das atividades na área mineralógica foi essencial. O Código de
Minas (1934) passou pelas mãos de ex-alunos da Escola de Minas para a sua
criação, principalmente Domingos Fleury da Rocha.
Os grandes projetos nacionais de desenvolvimento ou de
criação de empresas estatais tiveram presença dos ex-alunos da Escola de Minas,
como é o caso da Petrobras, da Companhia Vale do Rio Doce, da Usiminas ou até
mesmo na construção de Brasília.
Em 1969, a Escola de Minas e a Escola de Farmácia foram
reunidas para a formação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
Após mais de cinquenta anos como parte da UFOP, a escola
de Minas abriu posteriormente novos cursos e investiu na pós-graduação e na
pesquisa científica, assim destacando-se no cenário universitário brasileiro e
internacional.
A Universidade Federal
de Ouro Preto (UFOP)
A Universidade Federal de Ouro Preto foi criada em 1969,
após a junção da Escola de Minas e da Escola de Farmácia para o início da sua
formação. A criação de uma universidade em Ouro Preto foi solução mais adequada
encontrada para se evitar que as duas escolas isoladas fossem anexadas a
universidades de outras cidades.
A institucionalização da UFOP foi um processo moroso e
que levou a inúmeros debates, mas aos poucos foi caminhando. Sua evolução pode
ser descrita assim: Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS) em Mariana
(1979), Instituto de Ciências Exatas e Biológicas (ICEB) no Morro do Cruzeiro
(1982); Escola de Nutrição (1994)[1];
Instituto Filosofia, Artes e Cultura (IFAC) com seu curso de Filosofia (1994) e
Música (1999); Campus de João Monlevade (2002); Curso de Medicina (2008);
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA) em Mariana (2008).
Nos anos 1990, a UFOP criou um sistema de Educação à
Distância (EAD) com vários pólos em cidades de Minas Gerais. Em 1998, a UFOP
recebeu a premiação do Programa Universidade Solidária pelo trabalho pioneiro
junto a essa iniciativa do governo federal.
Com os mais diversos cursos de graduação e pós-graduação,
a UFOP é uma universidade de ponta, que oferece boas opções de moradia
universitária, bolsas estudantis e está situada sua sede na maravilhosa cidade
de Ouro Preto.
Aspectos da
pré-formação do modelo atual existente: As primeiras
lutas por um sistema
público de moradia estudantil em Ouro Preto
É de fundamental importância ressaltar nessa proposta que
visa subsidiar o pedido de registro da vida republicana como patrimônio
imaterial de Ouro Preto o protagonismo e as lutas estudantis. Que solidifica o
argumento que o sistema de repúblicas estudantis públicas possui no seu cerne
um trabalho muito forte e representativo de estudantes e entidades estudantis
para que o conjunto das atuais repúblicas da UFOP existentes viesse a ser
realmente formado.
Desde 1938 o Diretório Acadêmico da Escola de Minas de
Ouro Preto buscava criar a sua entidade assistencial, através da busca de apoio
junto à Casa do Estudante do Brasil (CEB). Foi um período em que a Escola de
Minas estava ligada à antiga Universidade do Brasil[2]
(tal ligação aconteceu entre 1931 e 1960).
Tal intercâmbio com a CEB começou a acontecer em 1937,
quando esta começou a convocar todas as entidades estudantis brasileiras para a
criação do Conselho Nacional de Estudantes, conforme ofício ao DAEM datado de
18/01/1937: “De acordo com os estatutos desta instituição, esse Directório,
como órgão de representação acadêmica da Escola de Minas de Ouro Preto, faz
parte de nosso Conselho Consultivo, devendo para isso nomear o seu
representante junto a esta Fundação, afim de que o mesmo possa tomar parte nas
reuniões do referido Conselho” (ofício assinado por Anna Amélia de Queiroz
Carneiro de Mendonça, presidente da CEB).
Em ofício de 09/03/1938, que foi assinado pelo Secretário
Geral da Casa do Estudante do Brasil, Nelson Ferreira, trouxe um relato:
“Comunica que, embora esteja empregando todo o empenho para cooperar na
campanha pela Casa do Estudante de Ouro Preto, ainda não conseguiu a audiência
pedida ao sr. Presidente da República, e aguarda que ella seja marcada para
fazer entrega dos documentos desse Directorio em favor util e generosa
iniciativa”.
Mas Devemos ressaltar que a CEB foi uma entidade que passou a
sucumbir com a criação da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1938. A
entidade pretendida pelos estudantes de Ouro Preto veio a surgir apenas em
1946, com a Casa do Estudante de Ouro Preto (CEOP). Criada para ser uma “uma
instituição visando especialmente promover todas as formas de proteção e
beneficiência aos estudantes de Ouro Preto” (ata de fundação), recebeu recursos
públicos e privados desde os primeiros instantes.
Como presidente da
Comissão Central incumbida pela Associação dos Ex-alunos da Escola de Minas de
instalar a Casa do Estudante, o Professor Fleury falou na oportunidade de
fundação da entidade dos seus objetivos primordiais: “uma instituição visando
especialmente promover todas as formas de proteção e beneficiência aos
estudantes de Ouro Preto” (ata de fundação). Comunicou na ocasião as verbas
recebidas, totalizando noventa e cinco mil e oito cruzeiros e noventa e oito
centavos (CR$95.008,98), oriundas dos seguintes fundos: 1) Consórcio
Administrativo de Empresas de Mineração (CADEM) - CR$20.000,00; 2) St. John de Rey Mining Company Limited -
CR$20.000,00; 3) Companhia Minas da Passagem - CR$20.000,00; 4) Mineração Geral do
Brasil - CR$15.000,00; 5) Companhia Cimento Portland Itau - CR$5.000,00; 6) Comendador
José Martinelli - CR$5.000,00; 7) Companhia Geral de Minas - CR$5.000,00; 8)
Carbonífera Brasileira S.A. - CR$2.000,00; 9) Companhia Carbonífera do Cabuí -
CR$2.000,00; 10) Companhia Nacional de Ferro-Ligas - CR$1.000,00.
A Casa do Estudante da Escola de Minas, que foi criada em 1953,
tinha por finalidade principal fornecer aluguel acessível, bolsa dos alunos da
Escola e “alojamentos confortáveis e higiênicos” (folder da instituição). Foram
para isso construídas várias “repúblicas” tradicionais dos estudantes de Ouro
Preto ou reformados prédios antigos. A criação de uma nova entidade foi uma
forma da Escola de Minas não dividir recursos “destinados a Ouro Preto” com a
Escola de Farmácia e a Escola Técnica, pois seus ex-alunos, postos em empresas
e cargos públicos chaves, passaram a questionar sobre a destinação dos seus
esforços para outras escolas.
Estas repúblicas da Casa do Estudante eram particulares e as
conseguiram mediante sorteios, junções com várias outras repúblicas etc. São
casos como da república Arca de Noé, de 1927, que se instalou definitivamente
em 1958 em uma das residências sob este caráter. A República Canaan, fundada em
1930, está em uma casa na Rua Xavier da Veiga desde 1946, bem como a Consulado,
de 1936. A Formigueiro, de 1951, instalada em uma casa ao lado da Pousada
Arcádia Mineira, conseguiu se instalar em uma residência da Casa do Estudante
em 1958, depois de sorteio, de uma das casas doadas pelo então Senador José
Ermírio de Moraes, do Grupo Votorantim.
A Pif-Paf, de 1946, se instala em sua nova residência em 1948,
enquanto a Quitandinha, de 1945, se transfere em 1949, seguido da Reino de Baco
em 1951, a Sinagoga neste ano. A Sparta, fundada em 1941, segue seu destino
como residência da CEEM em 1955. A Tabu, em 1950. As Verdes Mares, de 1943,
passa a ocupar uma casa desta entidade em 1952.
Em 1955, a Casa do Estudante da Escola de Minas conseguiu do
Congresso Nacional, e da Presidência da República, pelos deputados Israel
Pinheiro e Francisco Leite Neto, verba programada para o orçamento de 1954.
Foram os seguintes valores e destinos: 1) Casa do Estudante da Escola de Minas
- um milhão e trezentos mil cruzeiros; 2) Excursões - duzentos mil cruzeiros; 3)
Bolsas de Estudo - duzentos mil cruzeiros.
Um outro aspecto a ser ressaltado é em relação aos laços entre
estudantes e ex-alunos para o alcance dos resultados no tocante à construção de
um sistema público de moradia universitária em torno de repúblicas estudantis
em Ouro Preto. As entidades CEOP e CEEM – embora fossem privadas – conseguiram
captar recursos em empresas privadas e do próprio orçamento público federal
para se assentar os pilares do atual sistema público existente.
A primeira república de Ouro Preto a se tornar habitável a partir
da cessão e do apoio do poder público foi a atual República Castelo dos Nobres.
Em imóvel adquirido pela Escola de Minas em 1953, o diretor cedeu aos apelos
dos estudantes em 1958, cedendo-lhe o imóvel após intensa reforma. O nome foi
herdado de uma antiga república que havia sido fundada em 1919 e havia deixado
de existir posteriormente. Um outro exemplo da adoção do nome de uma outra
república de estudante já inexistente é a República Bastilha, que também foi
nome da república que hospedou o então jovem Getúlio Vargas nos anos 1890.
As repúblicas – em sua maioria – são fruto do movimento estudantil
de Ouro Preto, que foi protagonista de lutas para a compra de novos imóveis
para repúblicas nos anos 1960 e 1970, a transformação de imóveis da UFOP em
repúblicas nos anos 1980 e 1990, sem contar a construção das repúblicas do
campus que passaram a funcionar a partir do início da década de 1980.
Muitas situações precisam ser percebidas. Após a análise da
situação, associada à forte reivindicação dos estudantes, como a UFOP começa a
se configurar de fato como Universidade apenas no início da década de 80, a
construção das Repúblicas do Campus era inevitável.
Até então o primeiro sistema de moradias no campus do Morro
foi o alojamento, ocupado pelos estudantes em 1977, conforme depoimento de
Geraldo Baldi (o Geba):
“Houve
uma tentativa de construção do Centro de Convergência, que seria um prédio de
10 andares aqui no Morro do Cruzeiro. O Patrimônio embargou, ficou o 3º andar,
que é hoje ainda. Era um alojamento que estava vazio. Começou a ser invadido
pelos bixo grilo, os hippies, que a gente falava, estudante, é claro. Mas, era
um pessoal que tinha, era dessa tendência, eles tomavam banho na cachoeira, no
pocinho, na geladeira, não tinha energia elétrica. Depois conseguiram energia
elétrica e se organizaram melhor ainda. Conseguiram um caminhão pipa prá botar
água”. [O alojamento foi “invadido da seguinte forma segundo Geba]. E eu
descobri aonde estavam as chaves do Alojamento, porque o Diretório desta época
estava querendo distribuir as chaves para os alunos. Inclusive chegou a
distribuir uma meia dúzia, dez, não sei, de chaves, para certos alunos que
tinham uma média boa etc. Aí, eu descobri onde estavam as chaves. Contei para o
Paraíba. Na realidade, eu levei as chaves para o Paraíba, eu fiz só esta parte,
e o Paraíba pegou e distribuiu. Foi meio aleatória esta distribuição, foi
dentro do Remop: ‘quem quiser esta chave está aqui”, não foi uma coisa
organizada. Todos que pegaram a chave subiram para o Alojamento e muita gente
não queria morar no Alojamento, porque faltava água, às vezes faltava até luz.
Mas foram aí umas 40 pessoas que subiram para o Alojamento e começou a
funcionar clandestinamente”
A construção das repúblicas do campus do Morro do Cruzeiro foi
antecedida por uma greve de estudantes, em 1981, com o objetivo de pressionar a
Reitoria da UFOP para fazer funcionar a infra-estrutura necessária para o seu
projeto de Universidade. Em “Carta Aberta à População”, os estudantes procuram
esclarecer os reais motivos da greve, como o pagamento de altos aluguéis por
50% dos seus estudantes (a UFOP tinha 1500 alunos), ocasionados pelos seguintes
aspectos:
a) expansão da Alcan, e conseqüentemente acarretando um aumento de
funcionários.
b)
aumento do número de vagas na Escola Técnica.
c)
abertura de novos cursos na Universidade.
d)
muitos estudantes que para aqui se dirigem, a fim de se prepararem para o
vestibular, matriculando-se nos cursinhos.
e) o
fato de não se construir novas casas em Ouro Preto (Património Histórico
Mundial), ficando muita gente para poucas casas
f)
preço de aluguéis liberados, fazendo com que aqueles que alugam casas carreguem
nas costas a inflação provocada pelo próprio governo26.
Desta forma, busca-se, através da demonstração do significado das
conquistas da greve para a própria população como a baixa dos aluguéis. Em
outra carta, “aos Professores o Porquê de nossa Greve”, neste mesmo ano de
1981, em que desfralda as reivindicações do estudante.
“Quando
levantávamos, ano passado, o problema da moradia, o Sr. Reitor dizia: “Eu
construirei alojamentos para mil e quinhentas pessoas”. Hoje isto cai no
esquecimento e os Senhores, principalmente aqueles que moram aqui em Ouro
Preto, conhecem muito bem a exorbitância dos aluguéis, o que para os estudantes
se torna insustentável”.
Estas pautas de reivindicações já se arrastavam há algum tempo sem
solução, e em “reunião com os estudantes, o Sr. Reitor disse ‘Não’ ao
transporte para Mariana: diante das moradias, pateticamente sugeriu que talvez,
possivelmente, construiria 10 casas no Morro do Cruzeiro. O restaurante seria
aberto apenas em fevereiro de 82”.
No
segundo semestre de 1981 são iniciadas as obras das repúblicas do Morro do
Cruzeiro, e suas primeiras casas são concluídas no primeiro semestre de 1982.
Em 16/08/1982 se tinha no Campus do Morro do Cruzeiro um alojamento misto (em
sexo e em curso), com critérios próprios de ocupação pelos estudantes. Este
alojamento foi construído em 1977, para abrigar alunos e professores de
pós-graduação, que foi ocupado por alunos de graduação. Com 10 repúblicas e
quatro a serem entregues neste mesmo mês, com 20 vagas cada uma, existiriam 15
vagas para calouros nestas quatro casas. A república Ovelha Negra e a Cosa
Nostra foram fundadas em 1988.
Ouro Preto passou a ter a partir de 1981 dois restaurantes: o
Restaurante da Escola de Minas de Ouro Preto (REMOP), que funciona desde 1959 e
o Restaurante do Campus (RECAM), desde 1982, enquanto em Mariana não se tinha
ainda o seu Restaurante. O REMAR foi criado em 1987.
Com
a organização dos estudantes em torno da “Comissão de Moradia” do O DCE,
a partir de 1986, foi possível, neste período, ocorrer uma onda de ocupações,
pois além de estarem organizados nesta comissão, o trabalho realizado foi
profundo, exemplificado no levantamento do patrimônio real da UFOP.
A ocupação da república Tanto Faz ocorreu em plena greve da UFOP,
no início de 1987. Esta casa, em particular, foi conquistada pelo trabalho da
Comissão de Moradia Feminina, que em negociações com a Reitoria, exigiu a
liberação de alguns imóveis da UFOP, que eram usados como “casa de hóspedes”.
Em reunião decisiva na Reitoria neste ano, a palavra de ordem era conseguir a
casa de qualquer maneira, com a liberação ou não do Reitor. Uma posição
negativa do Reitor naquela reunião seria prontamente respondida com a ocupação
da casa, o que aconteceu com a Republica Tanto Faz. A Maria Bonita, que era
particular, foi ocupada em de março de 1987, juntamente com a Saudade da Mamãe.
Em 1990, as demais casas da região conhecida como “brejo”, na Rua
Diogo Vasconcelos, seguindo o caminho da República Tanto Faz, entraram como
alvo dos estudantes que não possuíam casas, resultando um ano depois na
fundação da república Virada pra Lua (1991) e que possuía como pretendentes
membros da Comissão de Moradia, que se tornaram moradores depois de um sorteio.
Em seguida, ocupam a Bem na Boca (1992), seguida por último da Chega Mais, em
1995, que foi conseguida de forma mais consensual.
Um aspecto geral das
repúblicas estudantis em Ouro Preto
A cidade de Ouro Preto passa a ser a cidade das repúblicas, com um
sistema estabelecido de casas com preços razoáveis, a partir da transferência
da capital de Minas para Belo Horizonte em 1897, pois
“Ouro
Preto tinha afamados creditos educacional. Clima benigno, um tanto frio,
excellente. Altitude de 1.100 metros. Agua abundante, das melhores do Brasil.
Cidade pequena, de vida tranqüila. Ambiente acariciador. Familias affectuosas,
acolhendo estudantes. Vida barata, tão barata, depois da mudança da Capital,
que uma casa se alugava por 20$000. Alguns predios cahiram e outros eram dados
para moradia para se conservarem gratuitamente. Em “republicas” o estudante
podia viver com apenas 100$0000 mensaes! Estudava-se de graça na Escola de
Pharmacia e na Escola de Minas!” (RACIOPPI, 1940, p. 13).
Ouro Preto era um local ideal porque fornecia boas condições de
permanência razoável durante todo o ano. Pedro Rache, formado em 1901 na Escola
de Minas, relata sua experiência de estudante em Ouro Preto. Quando explica “a
idéia de estudar em Ouro Preto”, este autor tenta explicar os motivos por não
escolher a cidade do Rio de Janeiro, cuja Escola estava entre as oficiais de
boas referências. Neste período, o conceito sobre Ouro Preto era o de cidade
pequena, calma, clima excelente, com duas Escolas de alto nível. Travando
contato com um colega, não estava este interessado em ir para o Rio de Janeiro,
que estava infestada pela febre amarela e “era o terror dos estudantes
riograndenses” (RACHE, 1954, p. 22):
“Todos
os dias era eu surpreendido com a notícia da morte de algum colega ou
conterrâneo, que dias antes, ao embarcar para o Rio, havia visto cheio de saúde
e contente, alimentando os mais belos sonhos do futuro, sem pressentir que dias
depois, logo de chegada à Capital Federal, o terrível flagelo o aniquilaria
para sempre” (idem, p. 22).
Os estudantes que vinham fora do Estado, geralmente faziam a opção
de se dirigirem de trem até o Rio de Janeiro, e em passagem rápida, pegar um
outro para Ouro Preto. Rache e seu amigo ficou impressionados quando fizeram um
primeiro passeio por Ouro Preto, no final do século XIX, antes da transferência
para Belo Horizonte. Não era tão atrasada quanto imaginavam: “Cafés!
Esplêndidos cafés! Lojas de fazendas, armazéns de especialidades, gente de bom
aspecto passando pelas ruas!” (idem, p. 30).
Os estudantes geralmente vinham para um curso preparatório ou
anexo à Escola de Minas para enfrentarem um exame de admissão bastante
rigoroso. Sendo admitido, morava-se em uma república que era administrada
geralmente durante um mês pelo seu Presidente. As repúblicas estabelecidas eram
divididas por gaúchos, cearenses etc. Ouro Preto conseguia atrair muitos
estudantes, pois se tinha uma imagem e fama bastante positivas. A imagem bem
descrita por Dequech é fiel:
“O
aspecto provinciano da cidade, o seu notável passado, a boemia, a descoberta da
liberdade por uma juventude pouco vigiada, o espírito acolhedor do ouro-pretano
com sua compreensão e bondade, as contas penduradas, e, acima de tudo, a
presença constante dos professores, seja nas escolas, fora delas, e até em
casa, a incutir o culto ao dever e à responsabilidade” (DEQUECH, 1984, p. 66).
Porém, a transferência da capital de Minas Gerais de Ouro Preto
para Belo Horizonte foi um grande problema para Ouro Preto. A Constituinte
especial convocada especificamente sobre o assunto reuniu-se em Barbacena no
ano de 1893, com a presença de muitos ouro-pretanos ou de seus defensores que
em vão não conseguiram barrar a transferência. Essa transferência para a nova
capital despovoou a cidade de Ouro Preto. Funcionários públicos, militares,
muitos comerciantes, famílias inteiras partiram para Belo Horizonte (Curral Del
Rey). Os políticos que impediram a mudança não tinham conseguido seu feito,
entre eles, Costa Sena, Rocha Lagôa e Camilo de Brito.
Ouro Preto parecia de uma hora para outra se tornar o símbolo do
atraso, da Monarquia e da anti-modernização perante a sua tradição.
“Nos
seus dois ultimos annos de capital do Estado de Minas Geraes, em 1896 e 1897,
Ouro Preto se preparava para ver o governo se transferir para a cidade de
Minas, hoje Bello Horizonte, onde se installou a 12 de dezembro de 1897. O
commercio em apprehensões. O funccionalismo, as repartições publicas, os
escriptorios e os homens de negocios em perspectivas de mudança. A vida social
em discreto retrahimento. Dominava o ambiente de tristeza desanimadora.
Demonstrava a gente ouropretana, em contraste com o enthusiasmo dos mudantistas
ou mudancistas, a invencivel melancolia dos que vêem um ente querido partir
para não mais voltar” (RACIOPPI, op. Cit, p. 49).
Por outro lado, os imóveis disponíveis em Ouro Preto tornaram-se
fartos. Muitas destas casas foram cedidas ou ocupadas pelos estudantes, que a
mantinham. Parece-nos que daí acontece sua fama de cidade ideal para se
estudar. Quanto às casas cedidas, as famílias a liberavam porque era melhor
deixá-los nas mãos dos estudantes que a cuidariam do que deixar desabá-las ou
ser ocupadas por estranhos. A desvalorização dos imóveis era às vezes tão
gritante que achavam melhor deixar de quitar os impostos, pois não compensava.
O fim do século seria o fim de Ouro Preto e o fim do mundo? Em outros cantos a
belle époque, a euforia do mundo. O temor de outro.
Um registro maior deste período do final do século XIX acontece,
cremos, porque esteve em Ouro Preto como estudante Getúlio Vargas, que morou,
juntamente com seus irmãos, em uma república dos gaúchos, quando veio em 1897.
Dizem que morou na República Bastilha, que existe até hoje, só que em outro
endereço. Pedro Rache conhecia seus irmãos, Protásio e Viriato, sendo o
apresentado por este último, que o qualificou de “indiosinho”. Porém, a
trajetória de Getúlio por aqui foi curta. Teve que sair apressadamente devido
ao envolvimento de seus irmãos em um crime. No livro de Jô Soares, em seu
prólogo, contextualiza o período vivido por este Presidente: “A rivalidade
entre os moradores das várias repúblicas provoca, como de praxe, atritos e
discussões. São comuns as refregas de estudantes no Bilhar Helena, na Rua São
José, um dos pontos preferidos pelos rapazes que estudam na cidade” (SOARES,
1998, p. 13).
Como as repúblicas universitárias de Ouro Preto que conhecemos
hoje têm sua existência marcada ainda no século XIX, na forma de casa de
estudantes que dividem as despesas e vivências, portanto, é uma instituição
antiga em Ouro Preto. Porém, com poucos registros sobre o século XIX, exceto
alguns livros de memorialistas, nos impedem de conhecer, por exemplo, a
república mais antiga em Ouro Preto. Não é possível ainda montar um critério
para a constatação sem incorrer em erros, pois algumas repúblicas já não mais
existem.
É sabido que Ouro Preto atraía muitos estudantes das regiões longínquas
do Brasil, que buscavam ao mesmo tempo uma boa Escola e um local com boas
condições de se estudar. Não havia no Brasil um sistema de transporte e de
comunicação eficientes. Ficava-se em Ouro Preto praticamente todo o ano. As
viagens de volta para casa ocorriam apenas nas férias, e para deles muitos,
somente no final de ano. O aluguel era bastante acessível em Ouro Preto, pois
existiam muitas casas desocupadas. Veículos apenas uns poucos. A viagem
interurbana era pelo trem de ferro. Consumia-se mais de 5 horas de Ouro Preto
para Belo Horizonte. Estradas aqui, só em 1938.
As festas de Ouro Preto de grande porte como o 12 de outubro era,
segundo Walter Von Kruger com pouca gente, geralmente ex-alunos, alunos e
professores, sendo a “bebida gratuita, importada e boa”. No natal, os
estudantes distribuíam um cartãozinho para as famílias da cidade, pedindo os
ingredientes para as ceias. Recebiam muitos vinhos, e nas confraternizações,
não se tinham mulheres.
O Restaurante universitário foi inaugurado em 1959. Antes, as
refeições eram feitas nas próprias casas. Geralmente se tinham um cozinheiro,
contratado pela casa. Havia o livro da Escrita, com todas as despesas da casa,
administrada mês a mês pelo seu Presidente, que fazia a compra mensal nos
mercados, que entregavam em burrinhos. A lenha se adquiria com a compra de um
“burro de lenha”, a dois mil réis. Assim, esse convívio intenso, durante todo o
tempo e por vários anos deram aos seus moradores amizades para o resto da vida.
Viviam como família. Nos finais de semana tinham um “assustado” no CAEM, com
vitrola, mas preferencialmente no domingo, que durava cedo. O cinema do Dodô
era outra atração neste período. Segundo Kruger, muitos pagavam suas despesas
até depois de formados.
Uma discussão interessante é sobre a permanência das repúblicas na
cidade. Em 1961, os estudantes discutiram a questão do repasse das casas da
Casa do Estudante de Ouro Preto (CEOP) para a Fundação Gorceix (FG), que para
eles, “viria a acarretar um domínio completo sobre a vida do estudante”. Entre
1962 e 1963, na Presidência de Luiz Carlos de Assis Moreira na Comissão
Executiva da Casa do Estudante da Escola de Minas (CEEM) criaram-se três
frentes para a busca de apoios para a CEEM:
1) Empresas: em carta-circular enviada pelo Presidente
intitulada “Da Casa do Estudante da Escola de Minas às indústrias do país”,
havia uma análise sobre as condições necessárias para “atender aos novos planos
da Escola de Minas”, ou seja, o de aumentar o número de alunos. Tais medidas
para o aumento do número de estudantes seguiam o Plano Nacional de Educação, de
1962. E a CEE expõe naquela carta a expansão da principal empresa da cidade e o
aumento da procura das poucas casas disponíveis em Ouro Preto, afirmando que,
enquanto isso, os estudantes viviam em casas sem reformas e que prejudicavam
seus estudos. O objetivo da carta era sensibilizar as empresas no sentido de
que doassem uma casa para a entidade com o compromisso que a CEEM fornecesse à
república criada o nome do seu nome doador (carta datada de janeiro de 1963,
Prof, Luiz Carlos de Assis Moreira, Presidente da Comissão Executiva da CEEM);
2) Embaixadas: Outro fato importante, nesta verdadeira
campanha para a aquisição de novas casas para repúblicas, é que a CEEM enviou
correspondências às principais embaixadas dos mais importantes países no
Brasil, como os Estados Unidos, ressaltando que “gostaríamos que Ouro Preto
pudesse oferecer melhores condições de hospitalidade” (carta datada de 8 de
julho de 1963). E explicita que havia um plano de construção de mais 18 casas,
além das 15 das entidades. “Cada casa receberá o nome do País que financiar a
aspirada construção, numa justa homenagem à sua abnegação”. Os Estados Unidos, através da “Agency for
Internacional Development” (Agência para o Desenvolvimento Internacional),
respondeu à sua carta, ressaltando não dispor de verbas, embora ressaltando que
vinha “contribuindo com recursos consideráveis para a educação do Brasil”, e
que “nossos recursos aplicados naqueles de maior urgência e que possam vir a
contribuir mais eficàzmente para o bem estar e para o desenvolvimento do Brasil
num sentido mais lato” (06 de novembro de 1963);
3) Apoio de Ex-Alunos e Empresas próximas dos ex-alunos: no
encaminhamento da mesma correspondência a algumas empresas que possuíam
ex-alunos da Escola de Minas, a resposta mais surpreendente foi do
representante de uma empresa de Minas Gerais - que também era membro do
Conselho Diretor da Fundação Gorceix -, que ao ser procurado pela Presidência
da CEEM, salientou que sua empresa já fazia doações à Fundação Gorceix, e
assim, não se podia ajudar a CEEM.
Havia a pretensão da CEEM em assumir parte das casas que
pertenciam à Casa do Estudante de Ouro Preto (CEOP), que era a parte que cabia
aos estudantes de Engenharia. Em 1963, o Presidente da CEEM explanou aos
estudantes que durante sua gestão nada foi feito além de pequenos consertos, aí
pensando ser necessário o apoio da Fundação Gorceix para resolver os problemas
da CEEM e que “desmoralizá-la será fechar às portas a salvação da E.M.O.P”.
O Diretório Acadêmico da Escola de Minas na gestão 1966/67,
juntamente com a direção da Escola de Minas (Diretor Rômulo Soares Fonseca),
iniciou o processo de transferência das casas da CEEM para o patrimônio da
Escola de Minas, pois segundo dados de estudantes do período, a CEEM “estava
falida e não tinha recursos para manter, comprar e construir novas repúblicas”.
A transferência não chegou a ser concluída. Em 07 de julho de 1975 foram
transferidas para o patrimônio da UFOP, pelo representante da Casa do
Estudante, Dr. Vicente Maria de Godoy, as seguintes repúblicas: Tabu, Canaan,
Quitandinha, Sinagoga, Consulado, Verdes Mares, Pif-Paf.. Ainda pertencem hoje
à CEEM: 1. Serigy; 2. Reino de Baco; 3. Vaticano; 4. Pureza; 5. Arca de Noé; 6.
Hospício; 7. Formigueiro; 8. Sparta. Esta entidade, em ofício no dia 27 de maio
de 1975, pede às suas repúblicas o fornecimento de dados visando à melhoria das
instalações, de acordo com a reunião do Conselho de Administração e com os
recursos que possui. Além de pedir um representante da casa para integrar ao
futuro Conselho de representantes da CEEM, a planta da casa, o número de
moradores e seus nomes, pedem um relatório com a situação do imóvel, com as
seguintes orientações: a) estado geral de conservação (paredes, muros, pintura,
telhado, madeirame, instalações elétricas e hidráulicas), etc; b) serviços que
devem ser executados, indicando o local, material a ser gasto, tipo de mão de
obra necessária, com estimativa dos prováveis valores, considerando-os a
prioridade dos serviços a serem executados.
A partir do final dos anos 1960, com a compra e a construção de
novas repúblicas com recursos do MEC, implantou-se oficialmente o modelo
público para as repúblicas, com percentual expressivo dos estudantes morando em
casas da própria universidade e de suas escolas. Sempre foi parte das
preocupações dos estudantes de Ouro Preto a questão da autonomia das
repúblicas, e o modelo de moradia público veio a implantá-la definitivamente e
a torná-la irreversível.
Nesta discussão sobre as entidades privadas e a moradia
estudantil, como já tratamos preliminarmente, permitiu debates fundamentais. O
exemplo citado da possível transferência das casas da CEOP para a Fundação
Gorceix foi um exemplo, pois para eles, “quaisquer negociações que visassem o
encampamento da CEOP por parte de associações ou com um consequente tolhimento
da liberdade e regulamentos que regem estas repúblicas da CEOP seria e deveria
ser rejeitado a priori (Atas do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro
Preto).
As moradias também tiveram uma grande demanda num determinado
período histórico do ensino superior de Ouro Preto. No início dos anos 1960, a
falta de moradia, sobretudo para estudantes, foi um dos principais problemas
para a Escola de Minas de Ouro Preto (EMOP), quando pensava em resolver seus
principais problemas de ensino e de administração. Em uma das reuniões da
Congregação da EMOP, o Professor Moacyr do Amaral Lisboa levantou algumas
questões:
“Alojamentos
para alunos, residências para professores, recrutamento de novos elementos para
o corpo docente e produção de trabalhos técnicos e científicos devem ser as
novas metas da política da Escola de Minas para que ela possa manter o nome, o
prestígio e as tradições que desfrutam no seio das coletividades brasileiras e
de além mar” (Ata da 787ª Sessão em 13-02-1962).
E reclamou dos preços dos aluguéis e das pensões: “Nesse modo
de agir dos proprietários da cidade anula qualquer propaganda que se faça da
Escola de Minas visando o aumento do seu número de alunos e contribuirá, mesmo
para desviar aqueles que, lá fora, possam vir estudar em Ouro Prêto” (idem).
Neste debate, o que estava posto era o crescimento do número de
cursos e de estudantes na EMOP. Na reunião da Comissão de Administração da
EMOP, em 03 de setembro de 1963, o professor Joaquim Maia lamentou que a
Congregação da EMOP estivesse insensível ao seu apelo no sentido de crescimento
do número de estudantes, e discordava dos seus colegas que argumentavam que
"Ouro Preto não dispõe de alojamentos suficientes e condignos para maior
número de professores e alunos” (Atas da Comissão de Administração da EMOP, em
03 de setembro de 1963).
Assim, o debate amadureceu com medidas concretas para o crescimento
da EMOP, que assinou um convênio com a Fundação Gorceix em seguida para a
construção da “cidade universitária da Escola Federal de Minas de Ouro Prêto”.
Em dezembro de 1965, o ante-projeto das obras foi apresentado pelo escritório
técnico do arquiteto Sérgio Bernardes à Fundação Gorceix, e logo em seguida as
obras estavam em andamento, principalmente do Instituto Costa Sena, com o
intuito de ser um dos mais destacados centros de pesquisa de Ouro Preto.
Enquanto as obras de um campus universitário caminhavam próximas
do fim da segunda metade da década de 1960, no debate sobre a construção de
mais alojamentos tinha opiniões em defesa da definitiva transferência dos
estudantes do centro de Ouro Preto para o Campus no Morro do Cruzeiro como
forma de distanciá-los da cidade. Para um dos professores responsáveis pela
obra,
“Quando
nós fomos iniciar a obra lá em cima no Morro do Cruzeiro, o prédio principal
seria para moradia de estudantes. Naquele prédio central, e eu me lembro de
muito isso, foi dito o seguinte: “Mas vocês querem isolar os estudantes da
cidade”. E eu: “eu acho que os estudantes devem continuar a participar da
cidade como um dos seus habitantes”. Isto sim houve, porque eu me lembro. Mas é
um absurdo separar, porque houve esta idéia de deixar os estudantes mais lá no
Morro do Cruzeiro porque eram considerados baderneiros como todo jovem. Então
houve esta idéia de manter as repúblicas para que se integrassem e continuassem
a se integrar na sociedade” (Depoimento de Ivo Porto de Menezes, 2002).
Com o movimento estudantil no final dos anos 1960 puderam ocorrer
diversas mudanças no tema em Ouro Preto. Após o restabelecimento de todo o
movimento estudantil diante das intervenções e dificuldades criadas depois do
golpe de 1964, a partir de 1967, o DAEM (Diretório Acadêmico da Escola de Minas
de Ouro Preto) passou a ter mais espaço para atuação. Primeiro pelo trabalho de
base desenvolvido junto aos estudantes. Segundo pela proposta de ações que a
gestão 1967/1968 (Presidente: Lincoln Ramos Viana; Vice-Presidente: Athaualpa
Valença Padilha; 1º Secretário: Serafim Carvalho Melo; 2º Secretário: Benedito
França Barreto; 3º Secretário: Douglas Senju Morishita; Tesoureiro: César
Epitácio Maia) apresentou. E uma das bandeiras da gestão deste DAEM era a conquista
de novas casas para “repúblicas”. Um acampamento por vários dias na Praça
Tiradentes foi montado, em 1967, quando se buscou mobilizar os estudantes e ao
mesmo tempo pressionar a EMOP para o problema da moradia estudantil. A
justificativa do Diretório para o movimento era o seguinte: “temos diversas
repúblicas com ameaça de despêjo; temos colegas morando em verdadeiros
padieiros sem a mínima condição de higiene; temos conhecimento da admissão dos
novos colegas de 68” (Boletim do Diretório Acadêmico nº 4, novembro de 1967).
A partir daí uma Comissão nomeada pela Assembléia Escolar
integrada pelo Presidente do DAEM e pelos professores Moacyr do Amaral Lisboa e
Washington Moraes de Andrade buscava dar andamento à aplicação da verba
liberada pela Escola no valor de NCr$200.000,00 imediatamente após as
negociações em torno do fim do acampamento. Havia um impasse quanto a forma de
se conseguir casas para serem transformadas em “repúblicas”, pois não se sabia
como resolver a questão com a compra, o aluguel ou a construção de novas casas.
Mas, a opção pela compra de novas casas foi a forma encontrada,
pois não se teria tempo para construir casas diante da entrada de novos
calouros em 1968. Além do mais, a oferta de velhas casas e casarões para venda
era elevado em Ouro Preto neste período, pois a cidade não se recuperara ainda
da crise econômica provocada pela transferência da capital de Minas Gerais de
Ouro Preto para Belo Horizonte, em 1897. Um tema que ainda está presente na
memória coletiva dos estudantes daquele período foi a compra de casas dos
próprios professores da Escola, que naturalmente foi polemizado pelo então DAEM:
“Pois
bem colegas, para surpreza e decepção nossa, assistimos nos meados de outubro,
o Dr. Washignton (Morais de Andrade), após mudar para casa de propriedade da
Escola, enviar proposta ao Diretor oferecendo a sua casa para a comissão
comprar, ao mesmo tempo pedia o seu afastamento desta, por se julgar suspeito,
no caso de vir a ter de decidir sôbre a compra de seu imóvel. Ao nosso ver, o
que é suspeito, é o Dr. Washington, depois de trabalhar tantos meses como
membro da citada comissão e de vetar a compra de certas casas, oferecer a
Escola a casa de sua propriedade, que apresenta os mesmos inconvenientes,
daquelas às quais se opôs com seu veto. Votamos contra a compra do referido
imóvel pelo prêço de NCr$44.100,00. tendo o Dr. Moacyr votado a favor, e o Dr.
Washington sendo impedido de dar se parecer, foi encaminhado o processo ao
Diretor Geral da Escola para que desse a palavra final. Autorizou-se a compra”
(Boletim do Diretório Acadêmico nº 4, novembro de 1967).
Os estudantes também reclamavam da demora da direção da Escola em
solucionar o problema da moradia em Ouro Preto. Os estudantes não cederam às
pressões para concluir o seu movimento iniciado com o acampamento em 1967:
“Assim,
já são decorridos 45 dias dêsde que acampamos na Praça Tiradentes exigindo
locais de moradia. Ainda permanece vivo em nossa memória, que encerramos o
nosso movimento, tendo em vista as medidas tomadas e as promessas feitas pela
Escola. A Assembléia Escolar reunida no dia 20 de mârço, em sessão
extraordinária, destacava uma verba de NCr$100.000,00, para amenizar a situação
e ainda ficou estabelecido, que o senhor Diretor, dentro dos próximos 15 dias,
apresentaria à mesma Assembléia, um projeto visando solucionar o problema de
uma vez por tôdas” (Boletim do Diretório Acadêmico, s.d).
Dessas reivindicações, podemos indicar as “repúblicas”
conquistadas pelo movimento neste espaço de tempo de acordo com a escrituração
nos cartórios: 1967 (Adega, TX); 1968 (Aquarius, Deuses, Jardim de Alá,
Pulgatório, Baviera, Ninho do Amor, Nau Sem Rumo); 1969 (Poleiro dos Anjos,
Espigão, Boite Casablanca); 1970 (Casa Nova, Cassino); 1971 (Marragolo). A UFOP
construiu e/ou comprou diversos outros imóveis nas décadas de 1970 e 1980.
Algumas questões sobre as repúblicas no início da UFOP
A primeira gestão da Reitoria da UFOP
(21.08.69-01.09.71) ficou a cargo do Professor Antônio Pinheiro Filho, que
foi uma gestão que não se pautou no fortalecimento da UFOP, mas manteve ainda o
antigo modelo de escolas isoladas. Com pouco diálogo com os estudantes, a
conjuntura era de recrudescimento do regime militar.
Além da conquista das “repúblicas”, a luta nos primeiros anos foi
para consolidar as casas como “repúblicas” autônomas. O reitor da então
recém-criada Universidade Federal de Ouro Preto, que ocupava também o cargo de
Diretor da EMOP, Professor Antônio Pinheiro Filho, buscava intervir na
orientação interna das “repúblicas”. Deve-se ressaltar que no período da
ditadura militar ocorreram inúmeras intervenções nas “repúblicas” tanto da
direção dos órgãos escolares, como dos órgãos de repressão e de informação do
Estado militar. Um dos primeiros atos foi a tentativa de desalojamento dos
moradores da república Gaiola de Ouro. Para justificar o ato, o Reitor/Diretor
salientou que os moradores teriam três opções de moradia: 1) ocupar as vagas
deixadas pelos estudantes desligados pelo Reitor/Diretor baseado no Decreto-Lei
477, Lincoln Ramos Viana e Pedro Carlos Garcia Costa, respectivamente moradores
das repúblicas Canaan e Castelo dos Nobres; 2) Ocupar as vagas que foram
criadas através da ampliação das casas da Rua do Paraná; 3) Ocupar as vagas que
foram criadas através da ampliação da República Baviera (Ofício do Diretor
datado de 21 de novembro de 1969).
E buscou desalojar os estudantes da República Marragolo, que se
situava na Rua Cel. Alves, 55. Esta residência havia pertencido ao professor
Domingos Fleury da Rocha. E estava sendo cedida ao uso de profissionais do
convênio PLANFAP - Ministério das Minas e Energia. Desta maneira, o Professor
Pinheiro determinava, em ofício, a ida de 14 alunos da Marragolo para a casa da
rua Salvador trópia, nº 2, enquanto os outros três restantes deveriam ir para a
República Aquarius, Rua do Paraná, nº 26 (Ofício de 19 de novembro de 1971).
Aí houve uma reação
imediata do Diretório Acadêmico da EMOP:
“A atitude arbitrária dessa Diretoria em nomear alunos
indistintamente para outras moradias, violando um dos mais sagrados princípios
que regem os estudantes desta Casa, quando se podia entrar em cordiais
entendimentos, causou a todos repugnância estando os moradores da república em
questão dispostos a não efetuar a mudança enquanto não fôr resolvido
satisfatòriamente e nos devidos têrmos, o problema em pauta. Temos a salientar
que já bastam as provações por que passaram êstes colegas antes e quando nesta
república se instalaram. (...) não é demais salientar que a escolha dos novos
colegas nas repúblicas é de inteira competência e interesse dos elementos
veteranos, com que conviverão, não cabendo portanto interferência de elementos
alheios a estas pequenas comunidades. A convivência entre sêres humanos não
pode ser imposta” (Ofício DAEM, de 23 de novembro de 1971).
Além destas intervenções nas “repúblicas”, o Reitor/Diretor ainda
buscava censurar o Diretório Acadêmico na gestão 1969/1970 (Presidente: José de
Lourdes R. Motta; Vice-Presidente: Paulo César Pavanelli Moura; 1o Secretário:
José César Caiafa Junior; 2o Secretário: Cláudio Ribeiro de Lacerda; 3o
Secretário: José Vandir Nunes; Tesoureiro: José Thomaz Gama da Silva),
inclusive quanto à divulgação de informações fundamentais ao corpo de
estudantes da UFOP: “solicito que, em relação a toda e qualquer publicação de
responsabilidade desse órgão escolar, seja encaminhado um exemplar à Diretoria
da Escola, destacando-se notadamente os chamados boletins que aparecem
periòdicamente” (ofício datado de 12 de novembro de 1969). Neste período,
também, já havia um serviço de espionagem da ditadura militar implantado em
Ouro Preto, contando com vários estudantes atuando como “informantes” ou
“agentes”. O ambiente escolar estava totalmente vigiado, e qualquer atividade
estudantil que de alguma forma buscasse “agitar” estava sendo acompanhada pelo
sistema governamental. Alguns documentos apontam no sentido exposto
Quanto ainda no tema educativo, a UFOP ainda não estava
institucionalizada até a gestão de Theódulo Pereira. E num momento de imensas
dificuldades institucionais::
“A
nova Universidade só contava com a Escola de Minas e a Escola de Farmácia.
Planos e tentativas de criar novas Escolas foram sendo sucessivamente
engavetados. (...) Em 1974, a incerteza sobre a nova situação chegou ao ponto
de a Congregação decidir não mais deliberar até que se esclarecesse seu próprio
status no novo arranjo administrativo. O estatuto de 1972, quase que imposto
pelo MEC, não mencionava a Congregação como órgão universitário (ata de
01/10/1974). O Conselho Diretor da Universidade decidiu em 1975 que a
Congregação funcionaria como órgão provisório até que novo regimento fosse
aprovado” (Carvalho, 1978, p. 126).
Segundo estudo encomendado pelo Ministério da Educação e Cultura,
divulgado em 1975, existia o reconhecimento da ausência de preocupação quanto
ao sistema de planejamento em quase todas as universidades, enquanto na UFOP,
segundo a própria universidade, “não existe planejamento” (MEC, 1975, p. 286).
Pelos dados analisados do relatório quanto à UFOP, ainda indicava a falta de
implantação de vários institutos, além da falta de vinculação de vários órgãos
de acordo com o Estatuto (idem, p. 661).
Portanto, a Universidade criada faltava ser institucionalizada.
Estava criada desde 1969, mas ainda em 1976 não estava institucionalizada, ou
seja, em plenas condições de cumprir funções universitárias. Em sete anos de
funcionamento, a UFOP ainda não tinha nem definido um projeto de estruturação
dos cursos, nem as escolas que seriam da Universidade (idem, p. 156). E o
quadro era tão desfavorável a Ouro Preto que, dois anos antes, o MEC pensava em
intervir seriamente em Ouro Preto para que a Universidade realmente se
efetivasse. Novamente surgiu a questão da transferência das suas escolas
superiores para a competência da UFMG. O ambiente universitário, portanto,
estava repleto de receios, de indefinições e de ausência de entendimento entre
os diversos setores, o que também refletia na vida estudantil.
Também nesse momento, em 1975, foi apresentada uma pesquisa da
Fundação João Pinheiro, que abordou rapidamente o sistema de repúblicas sob
três pilares: 1) o ponto de vista urbano 2) o ponto de vista estudantil 3) o
ponto de vista da UFOP. O primeiro aspecto foi dado pela vitalização imprimida
ao cotidiano urbano, como na ocupação e na conservação de parte importante do
patrimônio histórico. Outro aspecto é a incrementação participativa dos estudantes
em atividades culturais como campeonatos desportivos, atuação em grandes
eventos comemorativos, além da improvisação festiva, típica dos alunos e
jovens. Nesse aspecto, a existência das repúblicas é um mecanismo de atuação do
estudante, que já é um benefício social à cidade. Do ponto de vista da UFOP, no
que concerne ao aspecto operacional, segundo o relatório, ao invés da
universidade se responsabilizar por um possível alojamento no campus do Morro
do Cruzeiro, o atual sistema é de baixo custo, pois se não fosse assim, a
Universidade precisaria se empenhar ainda mais na conservação, uma vez que os
republicanos e as republicanas assumem hoje boa parte desse ônus. Mas sobre a
conservação do patrimônio histórico de Ouro Preto, MENICONI retrata a importância
da Escola de Minas e das repúblicas: “... a escola vai manter viva a cidade,
devido a sua fundamental importância na vida econômica e social e à conservação
das repúblicas e do antigo Palácio” (MENICONI, 1999, p. 56-57).
Em 07 de julho de 1975 foram transferidas para o patrimônio da
UFOP pelo Presidente da Casa do Estudante as seguintes repúblicas: Tabu; Canaan;
Quitandinha; Sinagoga; Consulado; Verdes Mares; Pif-Paf.
Este repasse foi averiguado avaliando as escrituras e registros de
imóveis na Coordenaria de Assuntos Patrimoniais da UFOP. Ainda ficaram como
parte destas entidades as seguintes repúblicas: Serigy, Reino de Baco,
Vaticano, Pureza, Arca de Noé, Hospício, Formigueiro e Sparta. Esta entidade,
em ofício no dia 27 de maio de 1975, pede às suas repúblicas o fornecimento de
dados visando à melhoria das instalações, de acordo com a reunião do Conselho
de Administração e com os recursos que possui. Além de pedir um representante
da casa para integrar ao futuro Conselho de representantes da CEEM, a planta da
casa, o número de moradores e seus nomes, pedem um relatório com a situação do
imóvel, com as seguintes orientações:
a) estado geral de conservação (paredes, muros, pintura, telhado,
madeirame, instalações elétricas e hidráulicas), etc;
b) serviços que devem ser executados, indicando o
local, material a ser gasto, tipo de mão de obra necessária, com estimativa dos
prováveis valores, considerando-os a prioridade dos serviços a serem
executados.
A gestão do Professor Theódulo Pereira
(31.01.76-29.06.79), que foi pautada pela institucionalização
da UFOP, assim como os primeiros passos para sua expansão, embora com pouco
diálogo com os estudantes, a conjuntura ainda era marcada pelo regime militar,
embora destacado no período da abertura lenta, gradual e segura. A gestão foi
marcada por algumas tentativas de implementação de políticas públicas voltadas
para a questão das repúblicas de estudantes. Diferentemente de Pinheiro, foi
criado um órgão exclusivo para o assunto (em 28 de fevereiro de 1977): o Centro
de Assistência Estudantil (CAE) da UFOP. Sua função foi a de montar critérios
para a assistência estudantil, como os relacionados às passagens de ônibus e
moradia. Mesmo nascendo sem atribuições, a entidade foi se desenvolvendo aos
poucos com o início de um levantamento sócio-econômico e aproveitamento escolar
dos estudantes que requeriam serviços de assistência estudantil na
Universidade. Em sua 4a reunião extraordinária, em 21 de março de 1977, o CAE
atendeu solicitação de três alunos da Escola de Farmácia (EF), por causa de
problemas de preenchimento de vagas na República Cassino:
“Conforme
consta do expediente, a república em apreço se destina a alojamento de alunos
das duas unidades, na proporção de 11 alunos da EMM (Escola de Minas e
Metalurgia) por 4 da EF (Escola de Farmácia), e, atualmente, as duas vagas
disponíveis para alunos da EF/UFOP foram preenchidas por alunos da EMM/UFOP,
conforme decisão tomada em assembléia de moradores da referida república” (Atas
do CAE).
Não era consenso entre os estudantes a ocupação das repúblicas por
alunos das duas unidades de ensino (Escola de Farmácia e a Escola de Minas de
Ouro Preto) naquela proporção, porque existia ainda a visão de que todas as
casas deveriam ser exclusivas dos estudantes de engenharia. O assunto em
relação às repúblicas neste momento foi quanto ao estímulo da “mistura” dos
estudantes de engenharia com os de farmácia. O desgaste se prolongou quando entrou
a questão da cobrança de aluguéis dos imóveis da UFOP utilizados como
repúblicas. E o órgão se esvaziou.
Após esclarecimentos do prefeito do campus alegando que a cessão
da casa pela UFOP para tal república deveria ser ocupada por alunos da duas
unidades, naquela proporção, decidem chamar o Presidente da república e outras
pessoas para discutirem a situação na próxima reunião. Este fato demonstra a
ocupação de algumas casas por apenas determinado curso.
A gestão do Professor Antônio Fagundes de
Sousa (29.06.79-15.07.82), também foi pautada pela
efetivação da UFOP, amplamente aberta ao debate com os estudantes. A conjuntura
foi da abertura e do processo de anistia política. Numa das primeiras gestões
da Reitoria, o reitor enfrentou o desafio de ampliar o número de cursos da UFOP
e de diminuir as graves divergências entre as escolas superiores pertencentes à
UFOP, sobretudo entre a Escola de Farmácia e a Escola de Minas de Ouro Preto,
divergências que também se refletiam na vida das repúblicas de estudantes.
Nesse período da gestão Fagundes, também foi feito um levantamento
sobre a situação das casas. É bom ressaltar que muitas repúblicas foram
federalizadas em épocas anteriores, como a república Adega, de 1963, a Bangalô,
de 1975, a Baviera, de 1958. Sem falar da República dos Deuses, que ocupou um
imóvel particular em 1964 e 1968 ocupou uma nova casa, de propriedade da Escola
de Minas, que atualmente é o seu endereço. Outros imóveis sofreram imensas
reformas após a sua compra, antes de sua cessão definitiva para os estudantes.
A República Aquarius é um destes exemplos, pois foi adquirida em 1968 e
reformada logo em seguida para se tornar uma república de professores da Escola
de Minas. Em 1969, em plena reforma, foram ocupadas por estudantes “sem teto”,
e em 1970, foi cedida oficialmente aos estudantes. Outros exemplos de
federalização: a Jardim Zoológico, de 1958, passa a um imóvel federal em 1969,
e em 1974, seu atual endereço, pois esta casa em que residiam fora destruída
pelas chuvas. A Maracangalha, de 1955, federaliza-se na década de 60 também. A
Ninho do Amor, que já teve seu endereço na famosa Rua São José, passa em 1967
ao seu endereço atual, como casa pública. A TX, de 1961, federaliza-se em 1967.
E muitos outros exemplos que poderão ser constatados nos históricos das
próprias repúblicas.
Afetos e
reverências ao lugar
O
sentido de república (res pública=coisa pública) está ligado ao atendimento
das necessidades humanas e sociais. O sentido de repúblicas no aspecto
de abrigar está ligado ao aspecto de ajudar o outro a ter o seu
espaço. As repúblicas também acolhem, que aqui pode ser pensado
no sentido de receber pessoas e assim criar uma conexão para que elas gostem
desse lugar da mesma forma que os outros ali já estabelecidos.
As
repúblicas protegem, pois os seus membros adotam o acolhimento
e o abrigo como uma camada de proteção. A proteção pode
ser analisada através da expressão comum “um por todos e todos por um”. Que
nada pode ser feito sozinho, nada se decide isoladamente, o coletivo é o que
prevalece.
Por
isso, o sistema próprio de escolhas e de aceitação dos novos membros
estabelecido está associada a decisões dos que habitam as casas. Um aspecto
importante é desde os primeiros momentos na república dos que estão iniciando a
jornada universitária passe a gostar do lugar e das pessoas ali estabelecidas,
porque novos passos serão dados a cada dia. Mas os primeiros passos é o de
estar convivendo e ser ensinado a criar essas conexões com os que já habitam a
casa. É preciso conhecer um pouco da história do lugar, dos que já passaram por
ali e se entender com os colegas já estabelecidos.
É
preciso aprender a dar, receber e retribuir. É preciso interação, participação
e envolvimento. A responsabilidade com as outras pessoas e com a própria casa é
fundamental.
Nos
primeiros momentos na república, os novos membros passam a ter uma apelido e
assim ganha uma identidade com a casa e a própria comunidade ouro-pretana e
universitária, porque a partir daquele momento seu nome está ligado a essa
casa. Também nos primeiros momentos na casa as gírias e expressões próprias das
repúblicas são assimiladas e reproduzidas. O conhecimento da história da casa
começa na sala de quadrinhos das repúblicas, quando os primeiros nomes de quem
passou pela casa começam a fazer parte do cotidiano dos novos membros.
A
divisão de tarefas, o rateio das despesas da casa, a assunção de
responsabilidades para a manutenção da casa e a aplicação da doação/ação no
cotidiano passa a ganhar saliência. Também vai se aprender a ceder para se
amadurecer como membro da casa. E vai se aprender a conciliar a vida
universitária com a republicana.
Todas
as repúblicas da UFOP possuem um sistema de autogestão e de autonomia nas suas
decisões. O cuidar da casa e a responsabilidade de tomada de decisões passam a
ser repassadas a cada geração, pois como casa de estudantes, as repúblicas
possuem um funcionamento próprio para atender estudantes e inseri-lo no
contexto universitário da UFOP e da própria cidade de Ouro Preto.
Os dois pilares da
vida republicana estão assentados em duas questões cruciais: a autogestão e a a
autonomia da república para a tomada de suas decisões internas. A gestão da
casa ser feita pelos próprios moradores representa soberania e legitimidade
para que a república seja reconhecida como tal. um
dos enfoques uma questão primordial para a manutenção de toda a estrutura de
uma casa que tombada ou não como patrimônio, que é o financiamento. Por mais
que esse assunto seja tratado de forma controversa e até alimentado polêmicas
das repúblicas com alguns setores da sociedade, o que a experiência acumulada
na Pif-Paf vem apontando é uma crescente na qualidade da preservação do
patrimônio histórico, nas adequações internas visando dar qualidade de vida aos
moradores e na relação com a comunidade externa. Sem a autogestão e a autonomia
da república, o modelo de gestão e os valores humanos existentes na república
deixam de existir, assim como o sentido de casa de estudantes para estudantes
acaba. A irmandade da república só pode acontecer quando todos são parte da
casa e das suas decisões.
A
convivência comunitária vai produzindo ligações, marcas, registros, memórias e
experiencias únicas na arte de ser gente.
Gestos de
humanidade nas repúblicas da UFOP
Por mais que a autogestão da república e a sua autonomia
estejam sendo observados especialmente nos aspecto econômico-financeiro e na
parte física do imóvel da república, a continuidade da preservação desses dois
pilares representa um impacto no atendimento das necessidades humanas, no
aprender sobre as relações humanas e na aquisição de habilidades e competências
que marcarão os membros da república em toda a sua existência, seja no campo
pessoal, seja no campo profissional. A liberdade de conviver com os demais
moradores de igual para igual, passando pelas mesmas experiências mesmo que em
momentos diferentes durante o período de convivência com todos os moradores e SOMAR dentro das suas possibilidades e
particulares, só é possível com uma república autogerida e autônoma. A
república é um ambiente familiar, com seres humanos coabitando ali dentro e em
que as fronteiras humanas são diminuídas ao extremo. A convivência humana sendo
estabelecida naturalmente através da formação dos novos moradores da república
está nessa componente da autogestão e da autonomia da casa. A formação de
lideranças é mais aguçada em ambientes democráticos e abertos, o que denota
estarmos diante de modelo republicano que favorece a formação de
cidadãos-líderes.
As finanças da república são muito bem
observadas na gestão da república, considerando a existência das demandas
domésticas e da permanente necessidade de reformas na estrutura da casa. Também
é preciso gerir a casa para produzir qualidade de vida aos que habitam a casa,
inclusive quanto melhor se cuidar da gestão da casa, os benefícios coletivos
serão melhor alcançados. Então, a responsabilidade por todos precisa permear as
relações, as atitudes e as ações.
Um
dos elementos que foram incorporados na busca de novos (as) moradores (as) foi
fazer a aproximação com os “bixos” assim que chegam a Ouro Preto. O envolvimento da família do bixo com os moradores que abordavam a todos
na fila da matrícula era uma variável importante. Outra variável importante era
a própria divulgação na internet de aspectos da república, que acabou
influenciando pretendentes a procurar a república. A recepção aos
calouros e calouros com trotes solidários e ações sociais denotam em gestos de
humanidade que precisam ser considerados. O encontro entre os moradores
estabelecidos e os bixos nesse momento possui um valor imaterial, se
considerarmos que a república é uma casa que sempre vai estar aberta aos que
nela queiram criar laços e elevá-la ao mais alto patamar. A “ligação” nesse
momento fará toda a diferença, pois morar em república é uma opção de moradia e
de vida dos estudantes da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
A própria batalha de vaga – por mais deturpada seja a
visão de alguns – foi mantida, embora com algumas mudanças pontuais na sua
estrutura nos últimos anos. A
tradicional batalha de vaga na república encontra-se dentro dessas tradições
transmutadas. No período inicial, o sentido de batalha de vaga naturalmente não
existia nos moldes atualmente postos, porém entrar e continuar morando na
república exigia do morador que tivesse com os demais o sentimento de
irmandade. O que significa dizer que estabelecer laços fraternos com os
moradores e com a casa representava adquirir o direito de morar nela. A
essência da batalha permanece, sendo também um valor imaterial nas repúblicas,
com suas regras, cerimoniais e uma das tradições dentro dos rituais de
iniciação à república. É durante a
batalha na república que a vida universitária propriamente dita vai tendo
sentido ao recém-universitário, porque até os aspectos burocráticos ou práticos
da relação do mesmo com a instituição UFOP também são facilitados pelas “dicas”
dos moradores que passaram por esses mesmos momentos.
Os
bondes são parte da vida republicana, sendo uma tradição estudantil muito forte
por permitir fortalecer os laços entre os moradores, além desses com os
ex-alunos quando eles visitam a república. O sentido do bonde vai
muito além de jogar conversa fora, porque possui importância fundamental para o
crescimento pessoal e social dos habitantes da república na convivência. O
bonde cumpre um papel fundamental para se aprender a arte das relações humanas,
principalmente na formação de redes de contato ou de colaboração tão essenciais
no mundo do trabalho. Não tem
como falar de república sem mencionar esse espírito de corpo que permeia o
ambiente, inclusive os bondes ou resenhas próprios ou característicos.
A hierarquia é um outro aspecto
presente nas repúblicas. A princípio, a hierarquia já delimitava no interior da
república a ocupação dos quartos. Os que estão há mais tempo na república
poderiam ter prioridade na escolha dos quartos em relação aos que estão se formando
mais novos, por exemplo. Então, reconhecer o seu lugar, se colocar no lugar do
outro, não tentar ser melhor nem pior, só buscar ser você mesmo buscando
evoluir a todo o momento, são valores importantes. A hierarquia sim é um mapa,
agora buscar o seu caminho com autenticidade favorecerá possibilidades de
contribuir com os demais dentro do seu papel hierárquico republicano.
A razão de ser das repúblicas é o atendimento das demandas
diversas dos seus moradores, principalmente o aspecto da formação humana, do
acolhimento e da possibilidade de crescer junto com a convivência com os
demais. São os novos moradores que irão trazer atualizações e agregar novas
informações do mundo social para ser compartilhado pelo que já existe dentro da
república, logo os “aspectos republicanos” só apontam que a república é feita
por todos e sua organização interna precisa funcionar muito bem para que se possa
atender o conjunto dos moradores. A república é feita no dia-a-dia, inclusive
as coisas acontecem de forma tão democrática que não existe estagnação devido a
força dinâmica que vai sendo posta a cada momento. O que representa a hierarquia na república deve ser filtrada para que a
vida republicana possa ser melhor aproveitada e que a instituição república
possa ter uma razão de existir
como casa.
A estrutura hierárquica não significa pura e simplesmente
a adoção de uma relação de poder, mas a distribuição de responsabilidades, de
merecimentos e de respeito que deve prevalecer dentro da república, assim
naturalmente sendo um valor imaterial.
Os quadrinhos dos ex-alunos expostos num
local próprio da república é uma das tradições mais representativas, pois
celebra o respeito e agradecimento aos que passaram anteriormente e deixaram
sua contribuição. A razão de ser e a simbologia dos quadrinhos vai além de uma
homenagem, porque também é uma honra do (a) morador (a) que se forma deixar ali
estampada a sua foto de formatura eternizada. Os quadrinhos de comadres,
amigos, amigas e outras figuras importantes entram nos gestos de humanidade
existentes nas repúblicas. As características próprias da simbologia dos
quadrinhos, os rituais em torno dos quadrinhos, as festividades de inauguração
e de cultuação dos mesmos também representam outro valor imaterial que foi
solidificado e está sendo dada continuidade.
Os ex-alunos representam para a República uma
referência, mas também um suporte para que exista a continuidade da República.
Os ex-alunos orientam, exigem a continuidade do “espírito republicano” e sempre
são solicitados quando necessários para desenvolver uma atividade em prol da
república.
A principal festa que marca o
encontro dos republicanos com os ex-alunos é o 12 de Outubro, quando se
comemora o aniversário da Escola de Minas de Ouro Preto. Também existe a Festa
do 21 de Abril, cuja comemoração em diversas repúblicas marcam uma data mais do
que especial. Também é o momento de encontro entre os próprios ex-alunos,
especialmente os que foram contemporâneos, que querem reencontrar os antigos
colegas que moraram juntos durante o período de graduação universitária. Um
ponto importante da data do 12 de Outubro ou do 21 de Abril é a apresentação
dos novos republicanos aos ex-alunos, quando aparece a oportunidade de
compartilhar, conviver, aprender e reconhecer nessas figuras a razão da república
existir e persistir ao longo de décadas. O (a) ex-aluno (a) possui esse
sentimento de que a casa também é dele. Não só estamos falando da parte física,
mas do ambiente familiar, acolhedor e humano.
A escolha do novo morador ou da
nova moradora também consideramos que deve entrar na questão dos gestos de
humanidade. A escolha é um rito próprio da república, inclusive dentro de
regras republicanas estabelecidas e acordadas. Se o critério de afinidade com a
república é um critério basilar – a pessoa gosta ou não gosta da casa e do
ambiente –, então não podemos afirmar que esse é um critério exclusivamente
subjetivo, considerando o desejo da pessoa de morar depende do valor que ela dá
ao lugar pretendido. A escolha é debatida e é feita dentro da maior seriedade,
considerando que está ali o presente e o futuro da república em jogo. Ser escolhido na república pode representar uma nova
chance para reforçar as pretensões do estudante em morar na república. A
primeira escolha sempre será do estudante, que possui a liberdade de escolher
aonde quer morar. Então não podemos tratar da escolha feita durante o semestre
como algo com mão única.
As tarefas assumidas com a casa e com os
moradores também deve entrar nesse ponto que tratamos agora. Ao se pretender morar em uma república, o que
se adquire não são apenas direitos, mas principalmente obrigações e
responsabilidades para com os demais moradores e a república como um todo. O esforço de
desenvolver as tarefas – somada com o compromisso com a casa e os demais
moradores – é parte da vida republicana. A ajuda para a república é feita
através do cumprimento de tarefas, logo tudo que é feito em prol da república
vale a pena e se soma ao todo. O que pode ser tratado das
reformas além dos ganhos para a preservação do patrimônio histórico, são também
os benefícios levados aos moradores em termos de qualidade de vida e
assimilação de saberes como desenvolver um projeto, tratar de orçamento, de
execução e até de captação de recursos para aquilo que é pretendido ser feito.
A convivência com outras repúblicas
também é uma parte importante das relações entre os estudantes. A quantidade ou
mesmo as repúblicas mais específicas que tiveram maior contato depende de cada
geração que se encontra vivendo na casa. As repúblicas federais foram se
unindo mais com o tempo em torno da REFOP, considerando a necessidade de união
de esforços para se conseguir manter a tradição das repúblicas diante de tantas
interferências externas que tinham como único intuito acabar com o sistema de
repúblicas de Ouro Preto. Também já se chegou a ter o envolvimento com várias
repúblicas na organização de festas carnavalescas, além de participação junto
com várias repúblicas na entidade REFOP em anos mais recentes como já foi
salientado.
Ouro Preto é uma cidade singular e precisa ser
apreciada e apoiada cada vez mais pelos
estudantes, como tradicionalmente foi estabelecido. As campanhas, os projetos
em prol da comunidade, os gestos de humanidade estão presentes. O potencial para mobilizar milhares de pessoas em ações
sociais é grande, assim como a disposição dos jovens estudantes em organizar o
melhor para a comunidade local.
Dentre os gestos de humanidade, a arte de
receber pessoas na casa é único e especial nas repúblicas da UFOP. A arte de convidar antepõe a arte de receber. Convidar é
estar disposto a receber o outro e estar ali pronto para recebê-lo. É muito
mais do que querer estar junto, mas de dar sentido a laços e ampliar o
convívio, porque quanto mais se convive, maior existe a possibilidade de se
conhecer mais e aprender.
Os gestos de humanidade são muitos, como
ex-alunos e moradores envolvidos em ajudar parentes das comadres a estudar,
apoiar moradores de Ouro Preto com todas as formas de apoios e tantos outros.
Fontes
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UNICAMP. Deliberação Consu-24. Campinas: Unicamp,
04/12/2001.
[1] O curso de graduação em Nutrição foi criado em
1978.
[2] Nesse período, a
composição dos Diretórios Acadêmicos do Diretório Central dos Estudantes da
Universidade do Brasil era a seguinte: Directorio Academico da Escola de Minas
(Ouro Preto), Directorio Academico da Escola Nacional de Chimica (Rio de
Janeiro), Directorio Academico da Escola Polytehnica (Rio de Janeiro),
Directorio Academico da Faculdade de Direito (Rio de Janeiro), Directorio
Academico da Faculdade de Medicina (Rio de Janeiro), Directorio Academico do
Instituto Nacional de Música (Rio de Janeiro), Directorio Academico da Escola
Nacional de Bellas Artes (Rio de Janeiro); e Directorio Academico da Faculdade
de Odontologia.
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